No ano de 212 a.C., após um cerco de dois anos à cidade de Siracusa, na Magna Grécia, atual Sicília, esta foi capturada pelas legiões romanas. Quando a casa de Arquimedes – que com seus engenhos ópticos e mecânicos retardou ao máximo a queda da cidade – foi invadida pelos romanos, ele estava no quintal desenhando na areia suas figuras e estudos geométricos, quando um dos soldados pisou sobre os mesmos. Noli tangere circulos meos (não toque em meus desenhos), exclamou Arquimedes em seu precário latim, sendo imediatamente morto por uma lança, que destruiu fisicamente este velho filósofo e matemático. Mas não conseguiu eliminar o seu acervo intelectual, que, atravessando os séculos, chegou até nós.







Neste blog republicaremos também artigos da minha coluna semanal BRASILIANA, do jornal MONTBLÄAT editado por FRITZ UTZERI.




quarta-feira, 20 de julho de 2011

Crimes Continuados II

Verbas para a recuperação da tragédia da Região Serrana do Rio roubadas: evocação de Dilma desfilando com o vice governador do Rio, que responde pela alcunha de Pezão, no início do ano, para em meio a destruição dar uma “força” ao voto “Tiririca” que ajudou a elegê-la.
Lula e o Ministro da Educação promovendo um congresso da UNE, aliada de Dilma, do PCdoB e de criminosos ambientais: evocação da corrupção na administração pública e em estatais.
E assim, os crimes continuados já denunciados neste artigo de outubro de 2006:

Pele de Cordeiro
O Presidente Lula pode bater no peito e dizer bem alto: “nunca na História deste país as forças do atraso chegaram a uma perfeição tão grande como em meu governo”. Hoje as elites econômicas, banqueiros e todos aqueles que auferem lucros astronômicos em detrimento de nossa população e sustentam a ferro e fogo o atual governo, garantindo o seu apoio político com as milionárias verbas dos mensalões, projetos sanguessugas e pelo menos no caso do Rio de Janeiro, com apoio do crime organizado (tráfico de drogas, armas, jogo, lenocínio e máfia das vans) como começam a mostrar os últimos fatos. Tudo isto feito sob a égide de um lobo que veste uma pele de cordeiro para obter popularidade com o sofrido povo do nordeste, dos milhões de habitantes dos grandes centros urbanos, que não têm nenhum direito humano ou cidadania, vivendo sob o jugo de traficantes ou dos milhares que sofrem nas filas da Previdência Social ou morrem nas portas dos hospitais públicos sem nenhum atendimento. Para garantir a sua popularidade o nosso líder não hesita em obter apoio das piores lideranças deste país, em elogiar o ex-presidente cassado Collor, em adotar as teses ademaristas ou malufistas de que rouba mas faz ou estupra mas não mata, reclamando até que querem mudar o povo, já que um povo educado e com um mínimo de informação jamais aplaudiria um presidente que considera uma grande virtude ser um iletrado e um desfrutável garantindo assim a sua eterna inocência nas falcatruas cometidas ao seu redor e supostamente em seu nome, alternando convenientemente a “Pele de Cordeiro” com a “Pele de Asno”, num primor da vitimologia.
O Partido dos Trabalhadores conseguiu eliminar não só o pensamento de esquerda deste país, como os partidos políticos com uma visão mais social. A ética e a moralidade pública acabaram no lixo junto com grandes conquistas políticas da sociedade brasileira.
Na década de sessenta a Educação era considerada uma alavanca preciosa para promoção social, pois um povo alfabetizado e bem informado poderia através do processo eleitoral democrático mudar a nossa sociedade varrendo as forças do atraso. Para tal, milhares de jovens entusiasticamente se voluntariavam para treinamento e a formação de grupos de trabalho aplicando o método Paulo Freire de alfabetização e conscientização, já que trabalhavam com o universo vocabular e com os problemas diários das populações. Os golpistas de 1964 acabaram com esta grande batalha contra a ignorância. Enquanto isso, o atual governo mantém a população ignorante, criando apenas projetos, como por exemplo o de cotas raciais nas universidades, bem no seu estilo populista de modo a aliviar as tensões sociais produzindo universitários analfabetos, mas manipuláveis.
Nos meus mais de quarenta anos de convivência universitária entre graduação, pós-graduação e magistério superior assisti e sempre combati a germinação dos grupelhos que usavam a Universidade para a formação destas aberrações políticas que dominaram a sociedade brasileira. Na época da ditadura um dos maiores desvios éticos na minha universidade, a UFRJ, era um Reitor que tinha um contrato de trabalho de quarenta horas semanais na Escola de Engenharia e outro de vinte horas na Faculdade de Arquitetura. Todos diziam: “Absurdo, sessenta horas de trabalho semanais!”. Ah, eu ia me esquecendo, também havia o caso de um Professor, que mais tarde virou uma das “estrelas” do PT no mundo acadêmico, que foi promovido ao arrepio da lei e a Reitoria dizia que tinha que acatar, pois eram ordens superiores. O escândalo foi tão grande que o Professor foi “despromovido”. Com a “democratização” a Universidade acabou dominada pelo empreguismo, populismo e assembleismo, transformando-se em uma grande máquina política que usava as verbas públicas a serviço de certos grupos. Os professores e pesquisadores que trabalhavam seriamente e produziam conhecimento neste país passaram a uma situação equivalente a das populações dos bairros populares sob o jugo dos traficantes.
No passado os partidos de esquerda sérios conviviam com organizações sem muita expressão, como por exemplo a AP (Ação Popular) que era formada basicamente por jovens de classes sociais mais abastadas que consideravam “IN” (usando a alienante linguagem atual) fazer política de esquerda, mas ficando ao largo daqueles tipos como Zé Sapateiro, João Capenga, Cachimbo e outros líderes populares com quem teriam que militar nos partidos de esquerda sérios. Com o tempo os jovens da AP e outras organizações equivalentes acabaram seus cursos universitários, fizeram seus doutorados transformando-se em ricos empresários, profissionais liberais, professores etc e saíram em busca dos sonhos da juventude para formar um partido político “clean”, sem aqueles personagens indesejáveis que misturavam a pureza da teoria política com grosseiras reivindicações sociais prementes. Para isto deveriam ter um líder simbólico, uma espécie de Rainha da Inglaterra com grande carisma, mas que pudesse ser manipulado. Lula foi a figura perfeita, pois era um sindicalista, daqueles de sindicato americano, que aplaude o capitalismo selvagem apenas negociando com os patrões uma maior participação nos lucros o que funcionava bem na nossa indústria automobilística pois era uma das mais desenvolvidas com seus operários elevados a padrões de classe média. Sindicatos pobres, como, por exemplo, de cortadores de cana ou agricultores bóias frias que se danassem, pois esta era a essência do capitalismo: “No mundo só podem existir vencedores e vencidos”. Desta salada ideológica nasceu o nosso PT, apagando de nossa política qualquer outra organização de esquerda ou com visão social. Ser esquerda é ser petista! Nesta marcha foram alavancados pela brutal repressão política da década de setenta que seletivamente eliminava as lideranças políticas mais sérias e portanto indesejáveis. Os exemplos estão aí: O PCdoB virou capacho do poder, os líderes estudantis são assalariados e manipulados, sindicalistas corrompidos, travestidos em ministros e colocados em conselhos de estatais com ganhos milionários, lideranças dos movimentos sociais cooptadas e vamos por este lamaçal afora.



Julho de 2011: Lula, o presidente da UNE e o ministro da Educação confraternizando no Congresso estudantil chapa-branca.

Até aqueles, os "Teólogos da Libertação", que defendiam ser a Fé uma opção racional a um sistema de dogmas e, portanto só um povo livre e alfabetizado poderia participar do amor divino, hoje preferem a Igreja Medieval, com o povo justificando o sofrimento com as clássicas palavras: “Deus quis assim”.


Enquanto isto, o cadáver da Irmã Dorothy fica esquecido junto com a Ética e Esperança.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

A Chegada de Lampião em Brasília

E persistem os crimes continuados facilitados por este grande conluio Parlamento-Executivo-Judiciário. O Supremo Tribunal Federal depois de “liberar” os ficha sujas entra em férias coletivas (olha que são quatro meses por ano, fora feriadões e férias individuais), enquanto centenas de processos contra políticos caminham para a prescrição. Este sistema é um incentivo para crimes continuados, sempre impunes, como certamente serão as atuais falcatruas no governo Dilma, a par das propaladas “rigorosas” apurações. Infelizmente nada mudou desde os tempos Lula, como já escrevemos em junho de 2007 (ver artigo abaixo).
E Dilma oferece um coquetel no Palácio do Planalto, confraternizando com seus cúmplices das acusações de corrupção.
Enquanto isto, Lula e a cooptada UNE festejam o triunfo da “Nova Direita Brasileira”.



A Chegada de Lampião no Inferno” é um folheto cuja tiragem anual alcança mais de duzentos mil exemplares no Nordeste, apesar de editado há mais de vinte anos. É um exemplo típico de literatura de caráter ideológico. O inferno que o poeta camponês descreve tem vigia, depósito de algodão, casa de “ferragens”, vidraça, oitão, cerca e portão. Não é outra coisa senão a fazenda do latifundiário. Lampião, no fundo, representa o próprio camponês que deseja conquistar tudo aquilo. O vigia barra-lhe a entrada e comunica a Satanás, a quem chama de Vossa Senhoria, como faz com o latifundiário, a chegada do intruso. Mas Lampião finda vitorioso:

“Houve grande prejuízo
No inferno, nesse dia;
Queimou-se todo o dinheiro
Que Satanás possuía
Queimou-se o livro de ponto
E mais de seiscentos contos
Somente em mercadoria”

Acima reproduzimos um trecho de Francisco Julião de seu livro “Que são as Ligas Camponesas?”, publicado em 1962 pela Editora Civilização Brasileira. Nestes tempos, a par da miséria crônica, o nordeste brasileiro era uma terra de luta e esperança por tempos melhores e um celeiro de espíritos indomáveis, não deixando, entretanto de dar grandes contribuições artísticas e culturais para as soluções dos problemas brasileiros.
Este espírito revolucionário começou com Zumbi dos Palmares, que foi também um líder civilizador, pois trouxe a fundição do ferro para as Américas. Do nordeste brasileiro também saíram grandes líderes populares, como Francisco Julião com suas ligas camponesas e os heróis do Engenho Galiléia que começaram a sua luta pelo direito de alfabetização. Temos aqui a coragem e força de um Gregório Bezerra que na época da ditadura negava-se a falar, mesmo sob as piores torturas, diante de um Tribunal Militar espúrio. Hoje, parece que a esperança de Dom Hélder Câmara evaporou-se, a “Geografia da Fome de Josué de Castro” foi rasgada, a “Pedagogia do Oprimido” de Paulo Freire foi destruída, as obras de Celso Furtado e Gilberto Freyre apagadas, a grande literatura de João Cabral de Melo, Jorge Amado, Graciliano Ramos e Ariano Suassuna, substituídas pelo lixo televisivo e a obra de Mestre Vitalino, juntamente com os artistas populares do Alto do Moura trocados pelas quinquilharias contrabandeadas do Paraguai. Até o pequeno distrito de Vargem Grande, no Município de Garanhuns em Pernambuco, local de nascimento de Lula, já não existe mais, transformou-se em Caetés, pois por aqui as cidades não crescem pelo progresso, crescem pela mão da superpopulação e da miséria que promovem mais os políticos e sugam as verbas que se evaporam como em um truque do demo.
Hoje para conhecermos a miséria nordestina não basta uma visita ao sertão, temos que a partir da decadente Praia da Boa Viagem, na outrora bela Recife, cantada por muitos como uma Veneza tropical, visitarmos o interior deste grande aglomerado urbano, a maior mega-favela das Américas formada por um contínuo de municípios como Jaboatão dos Guararapes, Recife, Olinda, Nova Paulista e Igarassú, todos com muita miséria, falta de saneamento, educação, habitação e o maior índice de violência do Brasil, só não tendo destaque na grande imprensa por ser entre a população que não freqüenta as colunas sociais. Por aqui o progresso pode ser aferido pelo número de sacos plásticos brancos que “adornam” os rios da capital, os famosos “pombos”, que levam os detritos das populações sem instalações sanitárias e pela poluição das praias de Muro Alto pelo Porto Suape.
Dentro do triste apagão ético em que vivemos, ainda assistimos o paraibano Ariano Suassuna que já se definiu como: “Sou, como todo escritor, uma espécie de sonhador, sem muito jeito para político ou cientista”, ser cooptado pelo poder, traindo o seu Movimento Armorial ao assumir a Secretaria de Cultura do Estado de Pernambuco e como sempre para deixar marcas, uma grande obra arquitetônica: a última área verde de Recife a beira mar, perto da praia da Boa Viagem, será destruída, sem nenhum estudo de impacto ambiental e substituída por uma imensa área coberta de concreto, a pretexto de construir um centro cultural para o Prefeito de Recife fazer seus comícios para platéias de até 20 mil pessoas neste pátio, chamado de Parque Dona Lindu. Isto tudo com a benção de um projeto de Oscar Niemeyer.
Mas hoje o inferno e os opressores se sofisticaram, usam os R$ 15,00 a R$ 45,00 do Bolsa Família, para extorquirem votos de um povo que jamais terá trabalho, educação e dignidade, pois com a consciência vem a vontade de mudar e a sede de justiça. E o diabo está mais esperto, indo habitar aquela cidade projetada para uma pequena elite do poder ficar protegida do cheiro do povo, obrigado a viver em seu entorno no eufemisticamente chamado Recanto das Emas. Sobre esta cidade Clarice Lispector escreveu: “A construção de Brasília: a de um Estado totalitário” ou “Quando morri, um dia abri os olhos e era Brasília. Eu estava sozinha no mundo. Havia um táxi parado no ponto. Sem chofer”. Clarice também escreveu sobre esta cidade frases impressionantes como: “A alma aqui não faz sombra no chão” e “É urgente: se não for povoada, superpovoada, uma outra coisa vai habitá-la. E se acontecer, será demais: não haverá lugar para pessoas. Elas se sentirão tacitamente expulsas”.
Infelizmente a visão trágico poética de Clarice se concretizou, sendo ainda esta cidade administrada por uma pessoa que recentemente foi envolvida em um dos maiores atentados a nossa democracia, que foi a fraude no painel de votação do Senado, temperada com a concussão de funcionários desta casa legislativa.
Ainda nem nos recuperamos da vergonhosa partilha ministerial em Brasília e assistimos, como em um filme de terror, uma multidão de insignificâncias intelectuais disputando a tapas cargos técnicos em órgãos importantes como: Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, IBGE, Comissão de Valores Mobiliários, Susep, INPI, Inmetro, Cnen, Fundação Oswaldo Cruz, Casa de Rui Barbosa e outros 270 cargos, que estão em uma lista preliminar catalogada pelo Ministro Mares Guia e comparada pela jornalista Miriam Leitão a um resort all inclusive.
Contra tudo isto devemos invadir Brasília como o Lampião dos cordelistas chegou ao Inferno, mas sem violência, armados apenas com a força da ética. Mas onde encontrar esta arma? Para encontrá-la não adianta apenas combater os políticos e magistrados corruptos. Devemos cultivá-la no nosso dia a dia combatendo aquela jornalista que ganha uma viagem a Antártica para elogiar o governo; aquele cronista sulista que escreve sobre Sarkozy para não criticar a direita petista; aquele professor universitário que se aposenta e faz concurso para o mesmo cargo, tirando uma vaga de um de seus ex-alunos; aquele juiz que após julgar favoravelmente uma causa do cantor Roberto Carlos age tal qual uma macaca de auditório, tirando fotografias e presenteando-o com um CD, conforme publicado no O Globo de 10 de junho de 2007. Devemos combater também aquele cientista que vende a sua dignidade para arranjar um empreguinho para um filho inepto ou ocupar uma diretoria federal; não devemos nos esquecer daquele líder estudantil subsidiado vergonhosamente por um partido político ou daquele pseudo-ecologista cuja prática é a sua fonte de renda ou mesmo aquele operário que usa o auxílio alimentação de sua família para beber cachaça. A lista é longa, mas se não cultivarmos a ética será melhor deixarmos os Senadores se divertindo com as mulheres genéricas conhecidas por eles como “as gestantes”. Aqui toquei em um ponto melindroso, mas as ofensas às mulheres e à maternidade vindas da capital federal devem ser respondidas com grande firmeza pela Secretaria Especial de Política para as Mulheres, diretamente pela sua titular Ministra Nilcéia Freire. Será que vai? Eu acho que não, pois esta moça só fica indignada é com a imprensa, quando esta mostra a foto do pé da Ministra Marta Suplicy envergando um calçado Prada de valor equivalente a umas duzentas bolsas família.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

CRIMES CONTINUADOS I

Nesta nova fase do Montbläat – pós 400 – pensei em voltar a escrever sobre política. Mas estou encontrando muitas dificuldades, pois as atuais situações são muito parecidas e tudo que tento escrever parece plágio do que já publiquei aqui. Assim, resolvi republicar alguns artigos, começando por este, de maio de 2007. Como a leitura mostrará, o que vemos hoje é meramente um crime continuado. A única a diferença é a perda da vergonha, com os colunistas “oficiais” do “O Globo”, como Zuenir Ventura, escrevendo sobre o sofrimento da “famiglia” Cabral, esquecendo o triste fim do menino Juan massacrado pela polícia deste mesmo governador e enterrado diante do horror de seus familiares ameaçados pelos criminosos. Triste também é Fernando Veríssimo escrevendo: “Dilma desfazendo o acordo (de propina para o PR), estará redimindo Lula e o PT dos seus pecados por associação”. Parecem até estórias sob encomenda de sacerdotes da alienação.


Ladrões de Estradas

Rei, Rei, Rei
Rei Sebastião
Quem desencantar Lençóis
Vai abaixo o Maranhão

Naquele imenso areal um pescador costurando uma rede, uma lavadeira de roupas ou mesmo crianças brincando de roda, todos cantam esta enigmática canção de esperança no Rei Sebastião que vai trazer não só a redenção, como também as riquezas do litoral sul maranhense (vai abaixo o Maranhão). Estamos falando de uma pequena ilha isolada nas chamadas Reentrâncias Maranhenses – no litoral norte deste estado – com suas infinitas ilhas e ilhotas, baías e bancos de areia que já causaram muitos naufrágios, desde os antigos galeões espanhóis e portugueses até modernos barcos pesqueiros que por lá se aventuraram. O povo da Ilha de Lençóis é também chamado de “Os Filhos da Lua” por sofrerem de albinismo causado pelos casamentos consanguíneos nesta comunidade em função de seu isolamento.
O Rei Sebastião dos Filhos da Lua é o mesmo Príncipe Escondido dos portugueses que não acreditaram na sua morte com o seu desaparecimento em 1578 na batalha de Alcácer Quibir no Marrocos. Já que dizem que ele se escondeu em uma ilha, porque não na nossa Ilha de Lençóis, onde foi encantado na forma de um aterrorizante touro que assusta a população? A receita para quebrar o encanto é simples: basta não temê-lo e oferecer-lhe uma filha em casamento para termos o rei de volta com todo o seu poder. Para os moradores mais sensatos, o rei já deve ter morrido pois ninguém vive quatrocentos anos. Pelo sim e pelo não, é melhor que tudo fique como está, pois o baixo Maranhão só traria desilusões, com o atual governador e três ex-governadores imersos em denúncias de corrupção e ou indicações ministeriais sob alta suspeição.
No calor da campanha eleitoral em que Lula perdeu a eleição para Fernando Henrique, o nosso ex-defensor do povo dizia que o seu oponente entendia era de Europa e Sorbonne e que ele, por viajar pelos fundões do Brasil, era um entendido em nossos problemas. Mas acontece que Lula inicialmente viajava pelas mãos do peleguismo e depois guiado pelos olhos das piores oligarquias com suas práticas de corrupção, depredação ambiental, trabalho escravo e todas as atividades mafiosas que levaram o nosso Presidente a ser um representante do que tem de pior no Brasil como, por exemplo, os políticos do Maranhão e Alagoas que praticamente ditam normas nomeando e desnomeando Ministros, em suas táticas de despistamento das pegadas lamacentas da corrupção, sob as vistas de um Lula que para tudo diz amém.
O Maranhão parece um estado em que a criminalidade é livre desde que sustente os políticos. Só para dar alguns exemplos, observei ao visitar a cidade de Tutóia que entre as ruas tomadas por lixo – parece que não existe o recolhimento de lixo urbano – circulava um número grande de caríssimos jipes 4x4, o que era estranho diante da capenga economia municipal. Mas tomando uma cerveja em uma birosca tudo foi esclarecido: após a colheita da safra de maconha os agricultores investiam nestas viaturas que eram usadas uma vez por mês para levar os aposentados pelo Funrural – em sua maioria por processos fraudulentos – aos bancos para o recebimento de suas aposentadorias, a uma taxa de 5% e na época das eleições trabalhavam recolhendo os eleitores para o chamado voto de cabresto. Já na capital São Luís, fiquei pasmo com as conversas com empresários paulistas que estavam em meu hotel e falavam abertamente que até para respirar naquele estado tinham que pagar propinas ou aceitar sociedades com aqueles vagabundos (conforme suas palavras). Nas ruas desta capital podemos ver tristemente todo um patrimônio histórico e arquitetônico abandonado, com tudo desabando apesar das verbas que o Governo Federal envia. Em Alcântara a situação parece ser pior, pois a maioria dos prédios já desapareceu. Em Santo Amaro observei uma situação inusitada, onde o poder público patrocinava, sem nenhum ônus para a população, uma televisão a cabo na zona urbana deste município, mas que na contramão de qualquer princípio democrático só transmitia a programação de uma estação maranhense retransmissora da TV Globo, em um verdadeiro Big Brother (ver 1984 de George Orwell) nordestino, tirando do povo o direito de opinião independente. O Senador Sarney em seu inflamado discurso em defesa da liberdade dos meios de comunicação venezuelanos, poderia ter poupado a garganta e a paciência dos ouvintes e simplesmente dizer a Hugo Chávez que enquanto ele vinha com milho, há muito a oligarquia maranhense já ia com o fubá. Mas o pior foi quando me aconselharam a não ir para Barreirinhas por uma estrada recentemente inaugurada pela Governadora Roseana Sarney, pois o povo estava roubando a estrada. Não entendi o significado do que era roubar uma estrada até que verifiquei in loco. Na realidade a Governadora tinha inaugurado um simulacro de estrada que consistia em uma fina camada de asfalto aplicada diretamente sobre a areia e que se fragmentava totalmente conforme os carros passavam. A defesa das autoridades era que o culpado era o povo. Ao invés de serem ofendidos e chamados de ladrões, os moradores da região deveriam ser elogiados, pois desempenhavam uma tarefa de preservação ambiental, já que livravam a natureza da poluição causada pelas placas de asfalto que se soltavam da estrada, dando uma utilização que era a calafetação dos barcos usados em seus trabalhos de pescaria. Hoje, quando vemos as impressionantes fotografias das pontes maranhenses construídas no meio do nada com o nosso dinheiro, levado para o PAC de Lula e Dilma Rousseff, pelo menos podemos saber claramente quem são os ladrões de estrada, absolvendo os humildes pescadores acusados pelos poderosos do Maranhão que têm assento até na Academia Brasileira de Letras dentro do triste apagão ético em que vivemos.

Pescadores maranhenses rotulados criminosamente pelos políticos de ladrões de estradas. Foto T.Abritta, Alcântara – MA, 1996.

Enquanto isto em Brasília o beija mão vergonhoso patrocinado pelos vetustos senadores ao seu presidente, acusado de irregularidades sem fim, mostra que a corrupção está generalizada e lembrou-me do mafioso Dom Corleone no filme “O Poderoso Chefão”. O teatrinho senatorial estaria completo se tivéssemos a participação visível daquele personagem que se considera o ápice da espécie humana, mas que paradoxalmente diz nunca saber de nada. Para esta turma, devemos lembrar que Al Capone nunca foi condenado por seus crimes, mas acabou preso por sonegação.
Como iniciamos com uma música, vamos terminar com um poema de Odylo Costa Filho, falecido em 1979.

Se a ponte é feita de furto
Pinte a ponte furta-cor
Daí porque a ponte é isto:
Arco-íris da ilusão
Sempre visto sem ser visto
Nos ares do Maranhão

terça-feira, 12 de julho de 2011

MONTBLÄAT 400

Para este Mont, dois textos: o primeiro (Errâncias), um poema em prosa sobre nossas errâncias imaginárias ou reais por este mundo afora. O segundo (Égloga do Sertão), indignação, muita indignação contra nossos políticos, contra o apagão ético em que vivemos, onde intelectuais, escritores, acadêmicos, artistas – que se dizem de vanguarda – e até “teólogos da libertação”, calam-se diante das violências da aliança Lula-Sarney, representada oficialmente por Dilma. Triste este mutismo, que tolera censura, crimes ambientais, ocultação de cadáveres dos desaparecidos políticos, corrupção, mortes de trabalhadores, uso da Força de Segurança Nacional na repressão trabalhista, escravidão nas obras do PAC e vamos por aí neste inimaginável jogo de interesses, onde até a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, cala-se, apenas interessada em sua candidatura à Prefeitura de Porto Alegre.



Errâncias

Tal pássaro peregrino pousei na claraboia. Breve parada no voo sem fim desta rota infinita.

Com a luz do dia admirei. No brilho das estrelas penetrei a cor capitosa de pele sinuosa: cabelos escorrendo em curvas de olhar. Boca molhada insinuando um desejar, um moldar de seios aconchegantes no imaginário abraçar.

Frio insensível espírito errante. Sete continentes a percorrer. Sete véus a desvendar. Carnes vibrantes a revelar...

A hora é de partir. Rumo errático na chegada sem fim.
Apenas tênue brilho estelar.
Apenas uma claraboia a iluminar.

Frio insensível espírito errante.



Égloga Sertaneja

Dilze? Dilze? Onde está o meu facão?
Dilze? Dilze? Onde está o meu velho punhal Caroca?
Hoje vai ter servidão nesta biboca.

Café brejeiro, feijão verde, jerimum do sertão.
Galinha capoeira, bode mamão.
Cacto facheiro, xique-xique, coroa de frade.
Esta, a visão.

Inverno-verão, chuva-secura.
Inverno-inferno – esta, a estação.

Minha casa, minha vida (a deles).
Só dissimulação, muito dinheiro pra desconstrução.

A filha da prefeita é vereadora. O filho deputado.
O marido prefeito ao lado. Tem irmão senador de estado.

Sertão-servidão-ladrão.
Dilze? Dilze? Onde está o meu facão?
Pra correr sangue neste chão.
Libertar o Sertão desta servidão!


Nota:
Caroca: Antigo e tradicional fabricante de punhais, que existia em Campina Grande, Paraíba


Esperamos que o Montbläat continue, por muitos outros números, sempre independente e aberto à pluralidade de ideias, sob a direção de nosso caro Editor e amigo Fritz Utzeri na sua luta pela vida e pela ética neste país, desmascarando os quadrilheiros que tomaram conta deste Brasil.

Abraços para Fritz, Liège e todos os amigos de tanto tempo e que comemoremos este marco jornalístico. Afinal, sobreviver 400 edições, sem as amizades do poder, é um fato memorável
.

O Tatu e a Rainha

Estes dias foram marcados por tristes acontecimentos, infelizmente eclipsados pelas cerimônias do casamento real na Inglaterra. O primeiro foi a violência, cada vez mais virulenta, com aviões não tripulados da OTAN arrasando aldeias no Paquistão durante a Semana Santa. Por aqui, a violência manifestou suas garras com a imagem de atiradores de elite posicionados no teto do Palácio do Planalto para reprimir uma manifestação de trabalhadores que atrapalhava a reunião de Dilma e Moreira Franco, seu Secretário de Assuntos Estratégicos, com o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – imagens revividas dos tempos da ditadura, com helicópteros militares sobrevoando ameaçadoramente um estádio lotado de trabalhadores. E a “ministra dos direitos humanos” diante deste “Rosário” de ameaças? Apenas silêncio.
Na área ambiental, assistimos pasmos a perda do pudor com a defesa explícita da depredação ambiental nas mudanças propostas no Código Florestal.
Sem deixar de falar na família real inglesa, que tal unir estes dois aspectos, violência e depredação ambiental?

Tudo começa quando viajei pelo interior do Rio Grande do Sul e parei num simpático restaurante em Cambará do Sul onde tocavam seleto repertório de música regional gaúcha. Uma das canções era verdadeira ode a natureza e ao tatu, em particular. E lá ia a música cantando a esperteza deste animal, dizendo: “o tatu se esconde aqui, o tatu se esconde ali” e assim por diante. Mas ao examinar o cardápio, fiquei impressionado com a variedade de pratos de tatu que apresentava. Pensei indignado como andava o desrespeito à fauna silvestre por estas bandas. O garçom, lendo minha expressão facial, se adiantou e me explicou que não vendiam carne de tatu, pois era um crime ambiental, e que aqueles pratos eram na realidade de lagarto. “Como?” “Não, não é aquele bicho que está pensando, é aquela parte do boi que vocês chamam de lagarto e aqui no Rio Grande chamamos de tatu”, continuou o paciente garçom, já acostumado às esquisitices dos visitantes ecológicos. Tudo esclarecido, foi servido um belo prato de carne bovina, um macio lagarto à moda gaúcha.
As minhas preocupações não eram totalmente infundadas. Pela Lei Federal no 5.197/67, a caça é proibida em todo território nacional, sendo, entretanto liberada na unidade da federação que através de estudos científicos determine quais os animais que não estejam ameaçados de extinção e que podem ser alvo dos caçadores a pretexto de promover o equilíbrio ecológico, desde que promovam também uma efetiva fiscalização. Obviamente esta Lei não tem nenhum fundamento baseado nas Ciências da Natureza, já que o equilíbrio ecológico está relacionado a predadores naturais. Infelizmente o único estado brasileiro onde a caça foi permitida sob a égide desta lei, foi o Rio Grande do Sul, onde a Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul realiza os tais estudos científicos indicando os animais para a matança e as temporadas de caça, o que muito agrada as associações de caçadores locais, como a Associação Gaúcha de Caça e Conservação (sic). Podemos admitir que em alguns casos, como os javalis vindos de criações paraguaias e o chamado porco monteiro, de origem incerta, que não pertencem à fauna brasileira e causam problemas no Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, recebam um tratamento especial. Mas problemas como estes devem ser administrados pelo governo federal sob a tutela do IBAMA e não delegados a um determinado instituto estadual. Em tempos de preocupação com a natureza, fica aqui a sugestão para que algum parlamentar com vocação ecológica proponha modificações nesta legislação absurda.
E a Rainha, onde entra nesta história? Ela tem tudo a ver, pois a caça é uma importante instituição britânica para preencher a ociosidade de sua nobreza que se diverte com suas cargas de cavalaria, toques de clarins, correndo pelos campos acompanhados de dezenas de cães na perseguição de uma assustada raposa. Os que viram o filme A Rainha de Stephen Frears devem ter estranhado que para cuidar das reações de Harry e Willian, netos da Rainha Elisabeth II, com a notícia da morte de sua mãe Diana em Paris, em 31 de agosto de 1997, eles tenham sido levados a uma caçada na residência de campo de Balmoral, na Escócia, onde estava sediada a família real. Era como se a notícia da tragédia de Diana, despedaçada em um acidente automobilístico na madrugada deste mesmo dia, fosse lavada com o sangue da caçada, mostrando às crianças que existe um valor maior, que é a realeza e o Império Britânico, que está acima das pessoas. Afinal de contas, um bom caçador deve ser frio, calculista, muitas vezes até impiedoso e familiarizado com o sangue e a morte. Estes requisitos são importantes na formação do caráter de futuros dirigentes britânicos, já que seu império colonial passado, sua realeza e agora no presente seus interesses econômicos pelo mundo afora sempre foram garantidos por uma extrema violência e sacrifício de muitas vidas humanas inocentes, tal qual os animais abatidos em caçadas.
Um exemplo do modus operandi das forças armadas britânicas pode ser visto no Iraque. As forças militares americanas, com mais de cento e cinqüenta mil homens, não conseguiam assegurar os seus interesses, mesmo com bombardeios, mortes e destruição generalizada, e paradoxalmente, a par da sofisticação dos equipamentos militares, contrata até antigos integrantes dos esquadrões da morte salvadorenhos no seu desesperado esforço repressivo. Enquanto isto, os ingleses e a sua secular experiência de repressão colonial com uma pequena força militar de 8.000 homens, controlavam todo o sul do Iraque, assegurando o fornecimento de petróleo em Barsa. Isto é fruto de um exército profissional que usa técnicas sofisticadas de violência e tortura no trato com a população civil, que é o celeiro de jovens insurgentes que lutam pela sua cultura e pelo seu país. As tropas britânicas agem sempre discretamente, mas quando alguma notícia de violência vaza para a imprensa, como nos casos de espancamentos, abusos sexuais e tortura, o Primeiro Ministro Tony Blair fazia um discurso indignado e um júri militar condena os torturadores a penas simbólicas dizendo que apenas cumpriam ordens superiores de “trabalharem duro” e se excederam um pouco em suas missões patrióticas. Este foi o ambiente onde o Príncipe Harry, o filho mais novo do Príncipe Charles e da Princesa Diana, conviveu comandando no Iraque uma unidade de doze homens dos esquadrões do Household Calvary Regiment, ao qual pertencia e graças a sua formação, desde as primeiras lições de caça, nada estranhou.
No filme A Rainha há também uma cena em que Elisabeth II ao desistir de acompanhar seus netos na caçada encontra um belo alce real, que ao encará-la parece despedir-se da vida. Logo depois ecoam tiros, para finalmente a Rainha constatar que o belo animal foi abatido por mãos plebéias. Nesta seqüência, a emoção expressada pela Rainha poderia hipoteticamente estar relacionada ao fato de que no ano de 1952, ao receber a notícia do falecimento do seu pai, Rei da Inglaterra, George VI, ela também estava envolvida com atividades de caça. A jovem princesa da Inglaterra, então com 26 anos de idade, já estava casada há 5 anos com Philip Mountbatten, Duque de Edimbourg e passavam o tempo abatendo impiedosamente elefantes, zebras, leões e toda a rica fauna africana. Neste ano o jovem casal praticava este reprovável “esporte” no alto das montanhas, em Aberdare, no Quênia, quando chegou um emissário vindo de Nairobi comunicando o falecimento do Rei da Inglaterra. Neste mesmo dia partiram para Londres tendo a Princesa, como filha mais velha do falecido Rei, assumido o Reino. No caminho de volta o povo saudava a Princesa, mas na verdade não sabia que já se tratava da Rainha da Comunidade Britânica. Hoje as ruínas das antigas instalações de caça real, destruídas há algum tempo por um incêndio, são mantidas como um registro desta esta época de violência tendo sido estas montanhas transformadas no Parque Nacional de Aberdare, um refúgio da vida selvagem, onde foi construído o Hotel Treetops, para os caçadores de imagens da vida animal usarem suas lentes do alto de suas paliçadas e aberturas, focalizando os animais que diariamente visitam um pequeno lago em sua proximidade.
O hotel tem uma pequena biblioteca onde são encontradas fotos, documentos, registros das caçadas e todo o histórico do período colonial nesta região.
O governo do Quênia leva a sério a sua política ambiental, fiscalizando efetivamente seus parques e reservas com um verdadeiro exército de rangers armados de metralhadoras. Enquanto isto, aqui pelo Brasil, as mudanças previstas para o Código Florestal ameaçam 43 milhões de hectares de Áreas de Preservação Permanente (APP) e 42 milhões de hectares em Reservas Legais (RL) que foram desmatadas ilegalmente bem como prenunciam novas tragédias ambientais com o avanço sobre matas ciliares.

Artigo publicado no Montbläat 391 de 7 de maio de 2011.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

SOS OSB

Querem destruir a Orquestra Sinfônica Brasileira! Abaixo, um artigo escrito há mais de quatro anos, infelizmente atual!


Transmigração Musical (*)

Nos seus sessenta e seis anos de existência a OSB (Orquestra Sinfônica Brasileira) sempre lutou com grandes dificuldades devido à pobreza cultural de nosso país onde a música erudita sempre foi vista como uma manifestação das elites. Nas piores crises a OSB contou com o apoio de seus fiéis assinantes que sempre contribuíram não só adquirindo as assinaturas dos concertos como participando da Sociedade dos Amigos da OSB e fazendo doações para os projetos desenvolvidos por esta Orquestra dentro da Lei de Incentivos Fiscais. Entretanto hoje temos uma crise com outras características, já que os assinantes tradicionais estão desaparecendo não sendo substituídos pelas gerações mais novas. Isto em parte devido aos modismos onde a música clássica ou erudita não tem vez e infelizmente também a extrema violência do Rio de Janeiro faz com que deslocar-se à noite para assistir um concerto musical no Teatro Municipal torne-se um ato de extremo risco. Portanto considero meritória a nova orientação da direção desta Orquestra para atrair o público jovem. Infelizmente no último concerto de 04 de novembro, regido pelo maestro Roberto Minczuk acredito ter havido um erro, não só na dose como na direção adotada com a apresentação de “On the transmigration of souls” (“Sobre a transmigração de almas”), uma peça musical do compositor americano John Adams, que trata dos atentados de 11 de setembro de 2001 em Nova York. Esta música teve uma estréia mundial em 2002 e foi apresentada em 2003 pela Osesp em São Paulo, mas a sua apresentação agora no Rio, quatro anos depois, para mim configura-se como um desrespeito às vítimas inocentes deste atentado, já que o terrorismo que sofreram foi usado para justificar o mega terrorismo dos dias de hoje com a extrema violência praticada no Afeganistão, Iraque, Líbano e agora em Gaza. Deveríamos olhar um pouco para a Espanha que ao sofrer um terrível atentado terrorista respondeu diminuindo um pouco o sacrifício de civis retirando as suas tropas do Iraque onde eram conhecidas por sua brutal violência. Considerei esta apresentação uma tentativa de instrumentalizar a OSB que além de ter sua apresentação atrasada em vinte minutos, o maestro após a sua entrada ainda passou dez minutos discorrendo sobre o atentado de 11 de setembro em um tom didático como se falasse para analfabetos, sugerindo que no final da apresentação não houvesse aplausos. Para completar o apelo melodramático ainda encaixaram um tal de Coro Infantil da UFRJ (e a respeitada Escola de Música da UFRJ como fica?) onde as crianças não conseguiam cantar, bocejavam o tempo inteiro, lembrando-nos dos tempos de escola onde fazíamos figuração fingindo cantar o Hino Nacional.
Quanto à peça musical “On the transmigration of souls” considerei uma cópia imperfeita da Sinfonia de Luciano Berio composta em 1968 e com estréia mundial pela Filarmônica de Nova York em 10 de outubro do mesmo ano, saudada pelo TIME como “Uma excitante experiência musical que focaliza os males da época melhor do que todos os movimentos de protesto de vanguarda, de misticismo e de violência que afetam a vida contemporânea. É uma grande e estimulante composição musical”.
Enquanto a peça de Adams é baseada em um poema simples, conforme a definição do maestro Minczuk em sua preleção, eu diria simplório, na Sinfonia de Berio temos trechos de Le Cru et le Cuit de Claude Levi-Strauss, extratos de The Unnamable (O Indescritível) de Samuel Beckett e um tributo a Martin Luther King. Nesta peça temos uma sofisticada e ímpar integração entre música e vozes, enquanto em Adams apenas uma superposição linear das vozes com a música acompanhada de algumas distorções produzidas por computador.
Ao retornar do Teatro Municipal nesta noite, após a apresentação desta Transmigração Musical, ressuscitei um velho LP com a primeira gravação mundial da Sinfonia de Luciano Berio, pela Filarmônica de Nova York acompanhada do The Swingle Singers e regida pelo próprio compositor, reativei uma velha vitrola Garrard Zero 100 para finalmente, retrocedendo mais de trinta anos, desfrutar de uma boa música pensando como seria bom para a Humanidade se pudéssemos ressuscitar também os ideais de Democracia e Liberdade de Lincoln e Roosevelt substituídos nos dias de hoje pelo culto da morte, da tortura e do racismo.

(*)Publicado originalmente no Montbläat 211, de 7 de novembro de 2006.