No ano de 212 a.C., após um cerco de dois anos à cidade de Siracusa, na Magna Grécia, atual Sicília, esta foi capturada pelas legiões romanas. Quando a casa de Arquimedes – que com seus engenhos ópticos e mecânicos retardou ao máximo a queda da cidade – foi invadida pelos romanos, ele estava no quintal desenhando na areia suas figuras e estudos geométricos, quando um dos soldados pisou sobre os mesmos. Noli tangere circulos meos (não toque em meus desenhos), exclamou Arquimedes em seu precário latim, sendo imediatamente morto por uma lança, que destruiu fisicamente este velho filósofo e matemático. Mas não conseguiu eliminar o seu acervo intelectual, que, atravessando os séculos, chegou até nós.







Neste blog republicaremos também artigos da minha coluna semanal BRASILIANA, do jornal MONTBLÄAT editado por FRITZ UTZERI.




domingo, 4 de dezembro de 2011

A Viagem

Não, Doutor. Não é nada disto que a imprensa fica falando. Este pessoal da Zona Sul tem a mania de achar que todo lugar é igual. Lá pra cima, deu bobeira morre. Tem gente que até gosta: morreu é bandido. Tem culpa no cartório.
Eu moro lá perto. Se não fosse a milícia ninguém podia andar mais por aquelas bandas. Tá bom, a gente tem que pagar o pedágio, bujão de gás mais caro, mas não paga luz e a internet com TV a cabo sai só por trinta reais.
Agora é aquela história, só tem direito quem anda direito. Nêgo quer droga? É só ir lá pros lado do lixão: pó, fumo, pedra, tudo livre. Lá na comunidade não pode. Nas ruas, entre moradores, muito respeito.
Este menino João teve foi azar. Estava no lugar errado, na hora errada. Não vou dizer que era santo não. Com onze anos já trabalham de avião. Neste caso ninguém sai por aí matando, dão apenas uma dura. Não existe o tal de erro médico? Pois foi assim, cometeram uma falha técnica. São muito despreparados.
Pra resumir, Doutor, fizeram foi uma lambança, escondendo o corpo num sofá abandonado no meio da rua pra depois voltar, pegar o menino e desovar naquele matagal. Muita bagunça assim tinha que acabar na imprensa.
Agora o pivetão de dezessete anos é outra conversa. Se não passassem o rodo, depois ia ameaçar morador.

Reformei como terceiro sargento da polícia. Hoje rodo o dia inteiro neste taxi. Se fosse ladrão estava lá em Saquarema fazendo churrasco num casarão.
Santo, não fui. Mas atuava nos limites da ética.
Bem... Afinal quem não fica revoltado vendo na TV aquele tapete de armas sendo destruídas por um rolo compressor? Arma de bandido não tinha auto de apreensão. Agente dava uma ajustada, polia e vendia tudo.
Agora o Doutor está é de brincadeira! Quem compra arma é para quê? Esta história de defesa pessoal é cascata. Mas aí, cada um com sua responsabilidade. Depois que vendemos uma escopeta ou AR -15, não dá pra ser babá de ninguém.
Já fiz curso de armamento, tiro, informação, contra-informação e o cacete. Acho até gozado. Sabe o que significa AR? É assault rifle. Arma de combate que nada. É uma cópia ordinária, cabo de plástico, sem precisão de tiro, do fuzil Colt M16. Este, usado pelos mariners no Iraque e Afeganistão. Traficante é assim. Tudo drogado. Atiram pra qualquer lado. Muito barulho por nada. Os americanos faturam alto vendendo porcaria e a bandidagem gosta de estar na moda. É igual a estes playboys que tiram maior chinfra com tênis da moda. Arma boa é uma Kalashnikov AK-47, uma Uzzi ou a FAL, Fusil Automatique Léger em belga, sei lá. Fabricante de armas, no fundo são parceiros do Demônio. Imagine que Uzzi é um termo bíblico que significa
“Deus é minha força.”
Isto tudo como chega aqui? Posso falar, mas não posso assinar em baixo. Dizem que é com guia de importação fajuta, na marra pelos federais, nas malas diplomáticas ou em aviões e navios militares. Mas o grosso mesmo é nos containers que entram selados no Porto de Paranaguá e vão pro Paraguai. Estas metralhadoras de derrubar aviões são vendidas pelos hermanos do Exército Boliviano.

Não vou dizer que foi ruim trabalhar na polícia. Lá em casa meus irmãos se formaram Engenheiro, Advogado, Contador – tudo cheio de estudo. Eu não. Nunca fui muito amigo de livros, este negócio de leitura. Me virei na carreira militar. A única coisa que nunca gostei era quando chegava em casa depois de um tiroteio e todo mundo olhando esquisito. E olha que não eram apenas os vizinhos. Até a mulher e as filhas ficavam me espiando de lado como se estivesse com respingos de sangue na farda.
Respondi muitos autos de resistência. Muita gente pro inferno. Uma vez olhei firme pro Promotor que perguntou se não bastava um tiro: “Ora todo mundo sabe que quando pipoca o gatilho, quem tem vontade de parar? Ainda bem que tem esta gentalha pela frente.” Ele sentiu logo a barra e mandou arquivar o processo. Estes almofadinhas não servem é pra nada. Só perseguem polícia e cuidam da carreira.

Daqui a pouco o Doutor vai saltar, né? Vou só contar um caso pra mostrar que aqui no Leblon é outra mentalidade.
Outra noite, ao entrar na minha rua, vi um vulto que parecia sair do meu portão. Achei que era o rapaz da casa vizinha. Pela manhã notei que tinha sumido um Trinca-ferro que cantava que era uma beleza. Fui falar com o pai do rapaz. Acabei ficando até com pena. E eu que estava procurando o vagabundo para matar. O pai, envergonhado, explicou que em consideração por ele ser um dos moradores mais antigos da rua, não iam levar o filho que vivia dando problema na área. Mas o trato era para ele não colocar mais os pés fora de casa. Agora não tem jeito, o garoto sumiu.
O próprio pai entregou a alma do filho pra Deus e pra milícia. Pelo menos lá pra cima fazem Justiça. Não tem esta de playboyzinho tirar onda.

Ué! Mudou de idéia? Não ia ficar na Ataulfo de Paiva e agora quer ir para a Dias Ferreira? O Doutor me desculpe, lembra até aqueles comunistas que saltavam do taxi e davam a volta no quarteirão antes de entrar em casa. A gente aprendia isto tudinho no curso de contra-terrorismo.
Cuidado, Doutor, a milícia já está chegando por aqui...

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