No ano de 212 a.C., após um cerco de dois anos à cidade de Siracusa, na Magna Grécia, atual Sicília, esta foi capturada pelas legiões romanas. Quando a casa de Arquimedes – que com seus engenhos ópticos e mecânicos retardou ao máximo a queda da cidade – foi invadida pelos romanos, ele estava no quintal desenhando na areia suas figuras e estudos geométricos, quando um dos soldados pisou sobre os mesmos. Noli tangere circulos meos (não toque em meus desenhos), exclamou Arquimedes em seu precário latim, sendo imediatamente morto por uma lança, que destruiu fisicamente este velho filósofo e matemático. Mas não conseguiu eliminar o seu acervo intelectual, que, atravessando os séculos, chegou até nós.







Neste blog republicaremos também artigos da minha coluna semanal BRASILIANA, do jornal MONTBLÄAT editado por FRITZ UTZERI.




segunda-feira, 5 de março de 2012

CASSANDRA

         No próximo dia 8 de março será comemorado o Dia Internacional da Mulher.  Este dia foi instituído pelo I Congresso Internacional da Mulher, realizado em 1910, na Dinamarca, lembrando para sempre um terrível episódio ocorrido em 8 de março de 1857, em Nova York, quando em uma fábrica têxtil, 129 operárias entraram em greve reivindicando redução da jornada de trabalho e um salário igual ao dos homens.  A resposta dos patrões foi trancá-las no interior de uma das salas da fábrica, que foi incendiada carbonizando as operárias. 

         Décadas depois deste massacre, milhares de mulheres continuam sofrendo por este mundo afora, como se carregassem uma maldição imposta por deuses impiedosos, tal nas tragédias gregas.  Neste sentido o personagem mitológico Cassandra encarna o sofrimento feminino através dos tempos. 

         Cassandra, por não corresponder ao amor de Apolo, foi punida, perdendo a credibilidade de seu dom profético.  Era capaz de prever o futuro, alertar os homens das tragédias iminentes, mas nunca levada a sério.  Previu a Guerra de Troia, massacres e tiranias, sempre diante de ouvidos surdos, que não levaram a sério os seus vaticínios da destruição desta cidade e terminou sendo levada como despojo de guerra para Micenas, onde foi assassinada. 

         Portanto, o Dia Internacional da Mulher deveria ser uma oportunidade de romper com esta verdadeira maldição que acompanha as Cassandras contemporâneas, sofrendo em um mundo insensível e surdo aos seus lamentos e reivindicações.

Em oposição às manifestações oficiais por esta data, onde feminismo é criticar a superexposição na mídia dos sapatos Prada das mulheres do poder, prefiro marcar o Dia Internacional da Mulher por um protesto-homenagem-denúncia vindo de pontos extremos de nosso planeta, como a baixada fluminense e os contrafortes do Himalaia, na poética Darjeeling, na Índia. 

Da baixada fluminense vem o terrível depoimento de uma senhora na casa dos quarenta anos, mas com o rosto em frangalhos, esculpido pelo terror de seu cotidiano. 





         “Andei a noite toda procurando a minha menina, que disseram estar zanzando por umas bibocas pros lados de Niterói.  Encontrei ela jogada na rua, toda machucada, mas agradeci a Deus por estar viva.  A menina foi castigada por andar com os rapazes da comunidade rival.  Escapou por ser abobalhada (retardada), mas na sua amiga, que dava as ideias, deram uns tiros nas pernas e tacaram fogo.  não sofreu mais por que o chefe da boca era temente a Deus e acabou com a farra da moçada, estourando os miolos da infeliz.  Que Deus proteja a sua alma!”



         Da Índia, considerada por alguns um exemplo do triunfo do capitalismo desenvolvimentista, vem um singelo sorriso feminino que, a par de sua esperança, não deixa de mostrar a universalidade das brutalidades contra nossas Cassandras que falam, choram ou sorriem, sempre em um mundo de surdez (V. Figura 1).



         “O trem avançava vagarosamente, disputando os trilhos com vacas, pedestres e toda a sorte de veículos.  Na beira do caminho, farrapos humanos trabalhavam na chuva, quase que invisíveis dentro da neblina.  Quebravam e carregavam, cambaleantes, enormes pedras.  Pelas pequenas mãos machucadas e envoltas em trapos enlameados, vi que eram mulheres realizando um trabalho acima de sua capacidade física e em condições subumanas.  Não resisti, abandonei o trem e me aproximei.  Uma das mulheres, após descarregar suas pedras, afastou os panos encharcados que cobriam o seu rosto e deu um lindo sorriso, mostrando uma face jovem, cortada por profundas marcas de sofrimento, mas com grande feminilidade, exibindo adornos coloridos emoldurados por um casaco já surrado que cobria um delicado vestido.  A chuva escorria pela testa, destacando a marca vermelha dos deuses que a abandonaram.  Pensei ter perdido o trem, mas ao me voltar, todos estavam parados, desde os maquinistas até os passageiros, calados e consternados como se refletissem sobre aquela jovem anônima que parecia embalada pelo Coro da Oréstia de Ésquilo que repetia: A desgraça te faz corajosa.”





Figura 1 – A moça de Darjeeling, Índia.  Foto T.Abritta, 2007.

3 comentários:

  1. 8 de Março dia Internacional da Mulher.

    Amiga(os)s sugiro o texto do Blog Teócrito Abritta.

    Obrigada Téo. Lindo texto.
    Vc deu alegria aquela indiana, mesmo sendo por um minuto.
    Ela jamais esquecerá o momento mágico
    de sua homenagem.

    Só lamento, ela com quase certeza, não verá esta homenagem. Mas o mundo dá tantas voltas...

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  2. Teócrito, o seu blog está cada vez mais rico em reflexões e imagens. Que foto preciosa: a alegria escondida,aparece diante do olhar do fotógrafo. Talvez ela tenha se sentido olhada como ser humano pela primeira vez.
    Neste Dia Internacional da Mulher também prefiro marcá-lo pelo protesto: "É destino de mulher/ ver morrer o prórpio filho/ e ter que ficar de pé."

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  3. Caro amigo Téo, que Feliz fotografia!
    A neblina ao fundo limpa gravemente o entorno, para iluminar todos os tons e sorrisos da mulher faceira.
    abrço da Lena

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