No ano de 212 a.C., após um cerco de dois anos à cidade de Siracusa, na Magna Grécia, atual Sicília, esta foi capturada pelas legiões romanas. Quando a casa de Arquimedes – que com seus engenhos ópticos e mecânicos retardou ao máximo a queda da cidade – foi invadida pelos romanos, ele estava no quintal desenhando na areia suas figuras e estudos geométricos, quando um dos soldados pisou sobre os mesmos. Noli tangere circulos meos (não toque em meus desenhos), exclamou Arquimedes em seu precário latim, sendo imediatamente morto por uma lança, que destruiu fisicamente este velho filósofo e matemático. Mas não conseguiu eliminar o seu acervo intelectual, que, atravessando os séculos, chegou até nós.







Neste blog republicaremos também artigos da minha coluna semanal BRASILIANA, do jornal MONTBLÄAT editado por FRITZ UTZERI.




terça-feira, 31 de julho de 2012

Uma Tarde em Costa Barros


“Caveirão tentou brotar

Foi rajada a noite inteira

Foi parar no ferro velho

Caveirão virou peneira.”



         O pior é o capitalismo do Felizardo: dono da oficina e do botequim.  O dinheiro que ganhamos consertando carros acaba aqui nos gordurentos pés, orelhas e peles de porco regadas a cana.  Hoje, com este tiroteio, nem vamos mais trabalhar.  As patroas vão chiar quando chegarmos duros em casa. 

         No fundo estamos na moda.  Comemos politicamente correto, por dentro desta onda de gente sarada: a gordura corta o efeito da cachaça e o álcool o colesterol desta sebaria toda. 



“Na favela a bala come.

Nós pode até morrer

mas vai como sujeito homem.

Fuzil, lança-granada,

bota a chapa pra ferver.”



         Pô Felizardo, desliga este rádio!



         Meu pai contava que antigamente era mais chique.  A turma tomava traçado, samba em Berlim e nas festas cuba libre e hi-fi. 

         Traçado era uma mistura de cachaça com conhaque. 

         Meu avô contava que o então Prefeito Amintas de Barros, que gostava muito de tomar umas biritas, certo dia ao ser perguntado o que ele achava do traçado de Belo Horizonte – evidentemente a pergunta era sobre urbanismo –, ele disse: “eles estão pondo cachaça demais no traçado.”

         No verão um samba em Berlim ia bem: cachaça com Coca-Cola geladinha.

         Cuba-libre e hi-fi era mais para as moças: rum com Coca-Cola e Crush com vodka. 



“Se o Caveirão tentar,

muita bala vai comer!

Caçador de Caveirão,

Caçador de Caveirão.

Se brotar na Mangueira,

você vai ficar no chão!”



         Pô Felizardo, desliga este rádio!



         “Em tempos de pacificação, o Morro do Chapadão, em Costa Barros, virou zona de guerra.  São travados intensos combates entre policiais e milicianos contra traficantes.  Foi mobilizado até o Caveirão nesta operação, já que esta comunidade está dominada pelas facções criminosas que atuavam nos complexos do Alemão e da Penha.”



         “De acordo com as autoridades, das sessenta e sete mortes registradas entre janeiro a março deste ano na capital estadual, quinze ocorreram nesta área.  Quase sete mil alunos ficaram sem aula com as escolas fechadas por medida de segurança.  A operação foi desencadeada em represália à quadrilha conhecida como “Bonde do Mão”, responsável por roubos de carros e assassinatos de policiais.” 

         “Apenas nos três primeiros meses de 2011 quase setecentos carros foram roubados em Costa Barros, mais de um quinto dos roubos de veículos registrados na Capital.”



         Pô Felizardo, desliga esta televisão!



         São uns farsantes!  Só na região metropolitana do Rio são mais de mil comunidades dominadas pelo crime organizado.  Fizeram acordo com a bandidagem e inventaram uma meia dúzia destas tais de UPP – Unidade de Polícia Pacificadora – para enrolar os otários e mostrar serviço lá em baixo.

E o povo sendo massacrado e explorado por aqui!

         E com força total: é político, traficante, miliciano, pastor, polícia – tudo que é coisa ruim.

         Pior que na Síria, Iraque ou Afeganistão!



         “As ações policiais foram estendidas também à Favela do Jobi, onde era refinada e embalada cocaína.  A polícia está no encalço de Nando e Bacalhau, responsáveis pelo comércio desta droga.”

         “O Cabo Anselmo, vulgo Quebra-osso, suspeito de comandar uma milícia criminosa na área, matou quatro supostos bandidos.  O comandante da guarnição alegou terem sido autos de resistência.  Entretanto, populares, que não quiseram se identificar, declararam serem trabalhadores em dívida com o pedágio cobrado pelos milicianos e que morreram com um tiro na nuca.”

         “O governador declarou que isto é o desespero da criminalidade diante de um estado democrático e eficiente que não tolera o crime organizado...”



         Pô Felizardo, desliga este cheirador de cocaína!



         “Na Favela da Quitanda uma menina de apenas onze anos foi morta com um tiro na barriga ao atravessar a Rua Isaac Zadma.”

         “Após o assassinato, moradores fecharam a Avenida Pastor Martin Luther King Jr. e depredaram cinco ônibus.”



         Amanhã tá todo mundo andando em ônibus quebrado, dando grana pro pastor, pagando pedágio do gás pros milicianos, apanhando dos traficantes e batendo palmas pra presidenta lá no programa do Faustão.



Já pensou se aplicassem o plano de Alfabetização de Paulo Freire?

Hoje os falsos revolucionários no poder apoiam é a corrupção, depredação ambiental e muito dinheiro no bolso... O povo só existe pra votar.

         Tenho até vergonha de ser metalúrgico!

         São uns lumpens-proletariado...



         Pô Felizardo, manda um traçado!



Nota:

- Letra musical: Caçador de Caveirão, funk de MC Bocão. 

- “O lumpen-proletariado, é o produto passivo da putrefação das camadas mais baixas da velha sociedade, podendo às vezes, ser arrastado ao movimento por uma revolução proletariada; todavia suas condições de vida o predispõe mais a vender-se a reação.”  Manifesto do Partido Comunista, Karl Marx e Friedrich Engels.  Editorial Vitória, Rio de Janeiro, Estado da Guanabara.  Brasil, 1963.